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26 de Abril de 2024

Precisamos da CPI do Judiciário?

Depois da EC 45 com a criação do CNJ o que nos resta?

há 5 anos

Muitos já se esqueceram, mas nós já tivemos uma CPI do Judiciário em 1999, muito antes do requerimento de CPI apresentado pelo senador Alessandro Vieira (PPS-SE), essa última também apelidada de “CPI Lava Toga”.

A CPI do Judiciário teve seu lugar em 1999, a época proposta pelo falecido senador Antônio Carlos Magalhães, durante o governo FHC. Apesar de tratar de temas gerais sobre o instransponível dia a dia dos tribunais, a CPI acabou focando somente na obra do TRT-SP, ligada ao então Senador Luiz Estevão.

A princípio noticiava-se a CPI de 1999 de forma muito similar a CPI requerida em 2019, 20 anos depois. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc13039906.htm

Apesar de ter sido mais uma das tradicionais jogadas de poder do então Senador Antônio Carlos Magalhães a CPI do Judiciário, embora amplamente criticada pelos magistrados, fomentou um debate sobre a real fiscalização da conduta dos mesmos, que segundo a narrativa da época eram simplesmente intocáveis, podendo cometer toda a sorte de atrocidades protegidos por corregedorias corporativistas e ineficientes.

A existência da CPI foi rivalizada no próprio Judiciário e órgãos associativos de magistrados porque segundo muitos deles o Legislativo não poderia investigar ou interferir de qualquer forma no Judiciário sob pena de ferir o princípio da separação entre os poderes.

Ainda em 2000 a discussão sobre apuração disciplinar e necessidade de órgãos de controle externo do Judiciário e Ministério Público culminou em texto na Emenda Constitucional (EC) nº. 45 de 30 de dezembro de 2004, que dentre muitas mudanças criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

O CNJ então foi instalado no dia 14 de junho de 2005 com a finalidade de controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.

Seu início foi simplesmente espetacular! Estava em meus primeiros anos de faculdade a época e trabalhava como estagiário dentro do Judiciário. Os magistrados tinham verdadeiro respeito pelo CNJ e qualquer reclamação levada ao CNJ era levado MUITO a sério quando um ofício vinha do referido órgão.

Ou seja, a situação que em 1999 gerou como sintoma até mesmo a criação de uma CPI do Judiciário, em razão de falta de apuração de condutas pouco ortodoxas por parte de magistrados, estava em tese resolvida e o recém criado CNJ contava com a fidúcia dos operadores do direito para solucionar questões que antes simplesmente eram ignoradas por órgãos de correição dos tribunais.

Se existe um poder que mais parece com uma Monarquia no Brasil esse é o Poder Judiciário. Não é só pela repetição de sobrenomes, das dinastias que se criam dentro dos tribunais, que vivem apartados da realidade, mas já é sabido que limitar poder de poderosos, ainda que constitucionalmente, requer eterna vigilância. E isso não aconteceu e o CNJ acabou perdendo força e efetividade.

Aliás, chega a parecer uma piada, nas redes sociais do CNJ, como Instagram ou Facebook, só são publicados avisos dignos de detran e secretarias municipais, pouco ou nada se fala sobre as reais atribuições do CNJ. É como se a mordaça aparecesse já na diretoria de comunicação do órgão.

Desde sua instalação o CNJ realizou muito, muito mesmo. Modernizou a prestação jurisdicional brasileira e suas iniciativas, até hoje, são várias e muito importantes para o Brasil. Mas o órgão acabou perdendo força especialmente em questões disciplinares.

Não demorou e uma das únicas vozes independentes e competentes do CNJ, a então Conselheira Gisela Gondin Ramos, já anunciava o enterro do CNJ. https://política.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-enterro-precoce-do-cnj/.

E assim foi, entendimento após entendimento, e lobby após lobby das entidades corporativistas dos magistrados, o CNJ foi “secando” e esse processo acelerou de 2015 para frente. E um importante órgão de controle externo criado após amplo debate iniciado em 1999, vinte anos depois, cada vez mais se parece com uma sub-secretaria interna do STF, com funções cada vez mais limitadas.

A desidratação do CNJ levou novamente ao sintoma de 1999. A necessidade do legislativo intervir no Judiciário dentro de suas funções constitucionais e exercendo o poder de polícia.

A culpa é do próprio Judiciário em razão das condutas dos tribunais estaduais, regionais ou superiores que apresentou piora a medida que o CNJ desidratou. O brasileiro deixou claro há 20 anos e novamente afirma que não aceita que o Judiciário seja reduto de nobres déspotas que tomam e nada devolvem à sociedade e que, pior, pelas prerrogativas parecem estar impunes, acima da lei.

Tirar maus juízes de circulação é demanda da sociedade brasileira sim, mas é principalmente uma demanda dos bons juízes.

Mas e agora? Agora não há mais saída política como a criação de um órgão de controle externo foi a época. O CNJ já existe, mas foi desidratado. Agora o único jeito parece o Legislativo se imbuir do papel de polícia e intervir diretamente no judiciário. Mas como e até quando?

O senador Alessandro Vieira (PPS-SE) parece estar muito motivado a instaurar a CPI do Judiciário versão 2019, a CPI Lava Toga.

Voltamos a debater o que já discutimos 20 anos atrás. E agora a criação de um órgão de controle externo pode estar fora de pauta porque ele já existe, mas que tal discutir a “reidratação” de poderes e funções e consequente valorização do CNJ?

Sei por experiência que o referido senador não terá uma trajetória fácil. Em 2011 trabalhei como consultor jurídico na CPI das Falências da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná. A ideia da referida CPI, apresentada pelo então Deputado Fabio Camargo, era investigar um suposto esquema de extorsão e corrupção envolvendo juízes, desembargadores, advogados e administradores judiciais. A CPI foi ruidosa e curta. A Associação dos Magistrados do Paraná se prestou ao serviço de via Mandado de Segurança, junto ao Órgão Especial do TJPR, pedir a anulação do requerimento de CPI alegando o mesmo que foi alegado em 1999 pela AMB, lesão ao princípio da separação dos poderes e falta de especificidade. No caso a Amapar teve sucesso e o Desembargador Campos Marques, que havia monocraticamente suspenso a CPI, teve seu voto vencedor no Órgão Especial apesar da jurisprudência já consolidada da CPI do Judiciário do Senado em 1999. Foi uma grande decepção para aqueles juízes, advogados e administradores judiciais que queriam ver a situação propriamente apurada. Até hoje ninguém foi responsabilizado diretamente pelas descobertas da CPI, mas os procedimentos da Corregedoria Geral de Justiça do TJPR a época deram azo a criação de varas especializadas.

O engraçado aqui foi que o procurador-geral da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, Luiz Carlos Caldas, a época apesar de embargar o acordão para fins de prequestionamento se “olvidou” de apresentar recurso às cortes superiores. Recurso que pela jurisprudência da CPI do Judiciário de 1999 seria com grande certeza bem sucedido e a CPI das Falências do Paraná continuaria.

Por sinal, o mesmo Luiz Carlos Caldas enquanto procurador da ALEP foi acusado pelo então Deputado Cleiton Kielse de colaborar com os Deputados Ney Leprevost (que segundo Kielse teria recebido cerca de 1 milhão de reais do pedágio), Ademar Traiano, Valdir Rossoni e Plauto Miró para barrar a CPI do Pedágio por ele proposta. https://www.tribunapr.com.br/noticias/política/acusacoes-brabas-na-assembleia-legislativa-de-curitiba/

A criação de varas especializadas no caso da CPI das Falências e a criação do CNJ no caso da CPI do Judiciário de 1999 podem ser entendidas como um paralelo. A medida que o CNJ passou a ficar débil em seus poderes disciplinares o problema voltou ao legislativo e hoje temos aqueles que querem a CPI Lava Toga. Da mesma forma que se as varas especializadas criadas após a CPI das Falências começarem a apresentar debilidade que havia nas antigas e extintas Varas de Fazenda Pública, Falências e Recuperação de Empresas o problema certamente retornará ao Legislativo.

O fato é que o Judiciário diferentemente dos demais poderes é sim muito arredio quando se trata de cumprir determinações dos demais, ainda que claramente constitucionalmente embasadas. Essa curiosa característica está ligada a dogmas de muitos de seus membros que entendem a missão e separação de poderes de forma distinta a de um acadêmico de Direito formado sob a égide da constituição de 1988. Tendem a pessoalizar atos do Legislativo e não aceitar propósito de instrumentos constitucionais como a CPI quando podem ser eles os investigados. O senso de autopreservação dos membros do Poder Judiciário também é mais pronunciado quando comparado aos membros dos demais poderes.

Por experiência sei que o problema não são os órgãos de classe ou associações de classe e sim as maçãs podres que infelizmente por vezes tem voz mais alta que a maioria honesta e trabalhadora. É líquido e certo que o senador Alessandro Vieira (PPS-SE) deve estar ouvindo desses representantes de classe e espero que separe o joio do trigo por que, repito, aqueles magistrados honestos podem até se calar, mas querem ver a conduta de seus colegas apuradas sim.

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Precisamos de uma renovação da cúpula do judiciário, acabando com o deslavado corporativismo que transforma juízes em Deuses e bandidos em vítimas.
Não conheço resultado prático algum de uma CPI. continuar lendo